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Folha branca

Protocolo Diário como Política de Vida

Glaucea Helena de Britto

Isolar-se. Despir-se. Higienizar-se. Vestir-se. Alimentar-se. Organizar-se. Ocultar-se. Revelar-se. Sentir-se. Questionar-se... Essas e outras ações advindas da experiência da artista visual Mônica Cardim frente às medidas de prevenção e controle da pandemia do novo coronavírus indicadas pelos órgãos governamentais de saúde em 2020 – especificamente aquelas praticadas durante o período mais crítico do isolamento social na cidade de São Paulo – ganham contornos poéticos em sua instalação/performance denominada “Protocolo Diário”. 

Uma experiência que a princípio seria única e individual – o ato de registrar a si mesma cotidianamente, sob os protocolos de segurança para garantir a saúde física e os protocolos sociais para a manutenção da saúde mental – torna-se múltipla e coletiva ao estender ao público, que também vivenciou o próprio corpo em confinamento, a possibilidade de transitar entre as camadas de tempo e de sentido de cada uma das imagens da série de autorretratos apresentada acrescentando a sua, ainda que potencialmente. Desse modo, o tempo presente, entrelaçado ao passado e à projeção do futuro, incorporaria o tempo espiralar da ensaísta brasileira Leda Maria Martins.

O corpo que se movimenta no tempo espiralar se expande em diferentes dimensões da existência e lança luz sobre tecnologias ancestrais de cura, libertação e resistência. A instalação/performance de Mônica Cardim nos convida a compor esse movimento para a frente e para trás, ao redor e para cima, partindo das fotografias em preto e branco, propondo cores em tons quentes e frios, inserindo objetos do cotidiano, todos eles implicados na relação corpo-espaço-tempo.

Quando colocadas em sequência, as fotografias demonstram uma relação entre si, porém sem uma linearidade óbvia à primeira vista, permitindo que a fruição seja feita de qualquer ponto e direção. Em cada imagem, as composições assumem diferentes formas, porém em todas elas está presente o jogo de ocultamento e revelação associado ao uso de uma máscara, que pode cobrir parte do rosto ou do corpo. A máscara aqui poderia estar relacionada à ideia de proteção e garantia do futuro presente tanto na cultura material dos povos tradicionais africanos quanto nos protocolos de segurança adotados durante a pandemia. 

De modo estratégico, a obra de Mônica Cardim apresenta, diante da política de morte executada como projeto de governo do Brasil nos últimos quatro anos, uma verdadeira política de vida.

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